Trouxe a chama em uma noite nublada, junto com um cheiro bom. O silêncio era a sua palavra. Chegou manso e quente, e sabia sorrir. E foi sorrindo que entregou o fogo que nascia na sua boca. Era assim que costumava fazer. Era desse seu jeito que fazia os humanos se sentirem importantes. Era necessário que ele aparecesse na vida daquela mulher. Ela precisava ser importante também. Então bateu na porta dela numa noite sem estrelas. Bateu levemente, como uma visita agradável. E quando ela lhe abriu a porta, ele tomou-a pela mão sem dizer palavra, conduziu-a até o quarto, deitou-a na cama suavemente. Deitou-se por cima dela, com seu corpo morno de titã, e depositou nos lábios dela a chama da sua boca.
O beijo durou muito tempo, quase a noite toda, mas nenhum dos dois sentiu as horas passando, ele por ser divino, e ela por estar com ele. Havia uma quentura terna e aconchegante no quarto. Ela não percebeu que já estava mergulhada em êxtases orgásticos quando o dia amanheceu. Havia encontrado a plenitude e fechou os olhos.
Quando tornou a abri-los o cheiro ainda estava no quarto. E sentia uma imensa vontade de viver, mas o deus do fogo havia ido embora. Plantou nela aquele calor e a deixou. Esperou que retornasse na noite seguinte. Em vão. Então, chorou amargamente aquela vontade de viver que ele deixara nela, aquela sensação de ser importante que ele lhe deu e lhe tirou quando não trouxe de volta seus olhos fulgurantes.
Não sabia o que fazer com todo aquele ardor que ele lhe dera de presente. Precisava viver, mas só queria viver com aquele deus que lhe invadiu a alma. E as noites passavam e ficavam cada vez mais frias, cada vez mais sem ele. Ela acendia velas por toda a casa, como num ritual de chamamento. E ele, como divindade que se preza, não lhe dava atenção.
Ela enlouquecia ao imaginar que ele passava as noites com mulheres iguais a ela. Pensava que, assim como batera em sua porta para entregar a chama, era como fazia todas as noites com as mulheres espalhadas pelo mundo. E seu espírito ardia de ciúmes, ela se debatia na cama, apagava as velas, para logo em seguida tornar a acendê-las. Tinha medo de que ele nunca mais voltasse.
Gritava. Chamava-o pela casa, da janela. Se ele era divino, lhe ouviria. E se lhe ouvia, não voltava porque não queria. O peito dela se enchia de angústia a cada dia. Ela começava a maldizê-lo e até a descrer em sua existência. Tudo o que desejava era um pouco mais daquela sensação que ele lhe proporcionara ao lhe entregar a chama e ele, deus egoísta, não realizava o seu desejo.
Decidiu esquecê-lo para sempre. Apagou todas as velas, molhou os fósforos. Arrumou um namorado. Deixou de crer em deuses.
E o deus do fogo, do telhado da casa dela, assistia a tudo sem mencionar palavra com seus olhos vermelhos. Estivera ali o tempo inteiro, mas não voltara, porque tinha medo, afinal, era a primeira vez que se apaixonava por uma humana. Tantas vezes tinha entregado a chama que não pensara que seria derrotado por uma única mulher.