Eu também gosto de inventar. Mas não são inventos convencionais os meus, como quem inventa um carro, um utensílio doméstico, uma roupa ou um acessório qualquer. Eu tenho um péssimo hábito de inventar pessoas. Às vezes invento coisas, que são mais fáceis de formular. Porém, uma ou duas vezes na vida, gosto de inventar pessoas.
Elas não nascem como todo mundo nasce, sem saber de nada, precisando dos outros e de tudo para aprender a viver. Os que nascem das minhas mãos, já nascem prontos e acabados. Sabem do que gostam, do que não gostam e o que são. Não se enrolam em divagações desnecessárias. Não precisam disso, nasceram como devem ser e sua função é apenas existir.
Só que nem sempre eu acerto. Minhas mãos são meio trêmulas, às vezes faço besteiras. Então, como um deus justo consigo mesmo, desfaço os nascimentos. Desmancho-os, e isso é tudo. Deixam de existir. Não exibo minha criação medíocre.
No entanto, às vezes acontecem surpresas boas na nossa vida. Numa tarde dessas, das mais quentes, daquelas em que a preguiça impera e a única vontade é não ter vontade, saiu de minhas mãos um ser. Perfeito? Talvez não , por ser demasiado humano. Ele nasceu diferente, não saiu pronto e acabado. E eu podia ver claramente as cores da sua alma. Algo em mim me dizia que iria embora em breve, porque eu via a liberdade nos seus olhos.
Observando seus gestos mansos, sua sagacidade encantadora, convenci-me de que precisava deixá-lo viver. E ser livre. Por isso não me apoderei dele, fiz melhor: desfiz-me dele. Tomei-o pela mão quando ainda era uma criança e o abandonei num campo de flores.
- Quero que você aprenda a ser feliz. –eu lhe disse com lágrimas nos olhos. Não era fácil separar-me de minha criação, mas eu não queria ser egoísta. O mundo deveria conhecer aquela criatura admirável.
Ele me olhou com aqueles olhos cheios de ternura que lhe dei, sorriu de um jeito angelical e saiu correndo, como se me compreendesse perfeitamente. Meu coração doeu de arrependimento quando me vi privado de sua companhia. Onde estava o som do seu sorriso?
Envolto na angústia e no ciúme da perda, corri até o campo para reaver minha linda criaturinha, mas ela não estava mais lá. Minha existência passou a ser uma constante busca. Os anos se passaram e minha alma sempre chorando a dor daquela ausência que deveria ter sido uma presença só minha.
Entretanto, após amargar as consequências das minhas escolhas, eis que a vida me promove novamente a alegria. Estava numa festa ou num evento, não me recordo. Sentado num canto, deglutindo minha solidão ferrenha, quando o cheiro de almíscar me chegou mais uma vez ao olfato. Eu jamais teria confundido um aroma, ainda mais aquele, que havia partido de mim, da minha imaginação. Virei-me vagarosamente, com cautela, passeando a vista pelas pessoas presentes.
Lá estava minha criatura. Havia crescido, estava adulto. Era belo e tinha o frescor da juventude nos lábios. Assim que me viu, o brilho dos seus olhos foi notável. Apressou-se em minha direção. Senti um frio de medo; medo de que me odiasse pelo que fiz. Mas o que fez foi me abraçar forte e ternamente e pronunciar que me amava.
Tomou-me pelas mãos tal como lhe fazia quando o trouxe ao mundo. Tirou-me daquele lugar. Seguimos caminhando de mãos dadas.
- Você esqueceu de me dar um nome...
- Me desculpe...-eu respondi debilmente.
-Você esqueceu também de me dar um sexo...
- Eu lhe queria completo, me desculpe, que egoísmo o meu... – eu estava encantado com o som da sua voz. Enquanto observava sua perfeição, contemplava minhas próprias mãos repletas de talento.
- Venha – puxou-me delicadamente – Vou lhe contar tudo o que aprendi desde que você me deixou.
- Não precisa.
- Você não quer saber? Eu gostaria que soubesse – seus olhos encheram-se de um brilho de quem quer chorar.
-Não preciso que me conte, porque quando criei você, deixei minha alma presa à sua. Eu já conheço você.
muito lindo o texto, vi um pouco de mim nele, lindo mesmo adorei!!
ResponderExcluirHum adorei o conto, lembrou-me inclusive de Jane e Janice que parece-me que finalmente partiram. Bjos!!!
ResponderExcluirDra. Thânia Frankenstein, muito bom!
ResponderExcluirNooooooooooooooooooooooossa...
ResponderExcluirTô encantado! Gostei!
O desfecho foi lindo!
Profundo! Beijos!
Como sempre... Mais um belo texto!