sexta-feira, 25 de junho de 2010

Cabelos Vermelhos


Acordei no meio da noite e fui surpreendido por aquela mãozinha delicada que segurava a minha com tanta ternura e tanta delicadeza, que mal tive coragem de me mexer, com receio de tirá-la de perto de mim. Era pequena como a mão de uma criança, e apesar da leveza, segurava-me com força, como se tivesse um medo preso na garganta de me perder.
Meu espírito, sensível a ela, percebia os seus movimentos e cuidava para que tivesse a segurança de que necessitava. Deixava-a segurar minhas mãos e a mim inteiro, com a minha alma a saltar pela boca, para que visse que comigo não sofreria, que não havia porque se armar quando estivéssemos juntos. E ela se doava a mim, sem erguer barreiras, como não fazia a ninguém mais.
Levantei-me cedo e fiquei observando seu sono tardio. Era tão bonita que dava agonia no meu olhar. Tinha os cabelos lisos e levemente avermelhados, quase no mesmo tom rosado da sua boca pequenina.  E dormia como uma deusa envolvida nos lençóis que mal lhe cobriam o corpo desnudo e branco de fêmea cristalina.
Cheguei mais perto e senti o cheiro amadeirado de seus cabelos. Ela moveu-se preguiçosamente, e eu rápido, me afastei. Não queria acordá-la. Não era justo retirar de diante de mim aquela imagem da perfeição. Notei que, mesmo dormindo, procurava minhas mãos e toquei levemente seus dedos, ao que ela agarrou-me com a fúria delicada que só ela sabia ter.
Fiquei de perto a contemplar seu semblante, sentindo muito próximo a sua respiração e o seu hálito. Toda ela estava quente, como se seu corpo ardesse em uma febre benéfica.  Mexeu-se mais uma vez, espreguiçando languidamente sua carne macia. Senti um estranho desejo de conservá-la daquele jeito pra sempre. Queria guardar aquele sono plácido de ser sobrenatural repousando na minha cama eternamente.
Não suportaria mais admirar sua imagem acordada. Estava bela e plena, mergulhada em sonhos afáveis e angelicais. Toda ela lembrava um anjo. Um anjo feito de cheiros e carnes. Senti-me como o guardião de sua vida, de seu espírito, de sua plenitude. Era agora responsável pela garantia de que não deixasse de sê-lo nunca mais. Precisava conservá-la naquele estado sublime para sempre.
Afastei-me por alguns minutos sorrateiramente, sem fazer ruídos que pudessem macular seu sono. Peguei um lenço branco em uma gaveta. Deitei-me novamente junto à calidez aconchegante de sua pele, entreguei-lhe uma das minhas mãos e com a outra abafei com o lenço suas narinas e sua boca. Ela não percebeu o que lhe acontecia. Paulatinamente seu corpo foi amolecendo, cedendo à falta de ar. Quando percebi que não mais havia vida em seu semblante, ajeitei-lhe cuidadosamente sobre os lençóis brancos. Estava para sempre eternizada em sua imagem de candura libidinosa. Para sempre a deusa de cabelos vermelhos deitada a dormir em minha cama.

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