quarta-feira, 23 de junho de 2010

Meus Mortos

Fico só com meus mortos. Eles vagueiam pela minha casa pequena, mas não fazem barulho. E é isso o que mais me incomoda em sua companhia. São tao belos, com suas roupas antigas, seu ar de seriedade que só quem morreu consegue ter, mas não sabem fazer barulho. É como se nunca estivessem aqui. Se quero ouvi-los, tenho que abrir os livros e lê-los. Não são capazes de mudar ou acrescentar o que fizeram em vida.
E como eu os invoco, a fim de desfazer minha solidão ardente, eles sempre vêm. Não fazem caso, não são orgulhosos, não reclamam de nada e nada tiram do lugar. Às vezes sentam-se diante de mim e me contemplam longamente. Quando pergunto o que veem eles balançam a cabeça com ar de quem não tem o direito de falar.
- Gostaria que conversassem comigo, é pra isso que eu os chamo todas as noites – eu lhes disse.
Eles sorriram com ternura e apontaram os livros. Parece que não havia outro meio mesmo.
- Podem escrever? – eu não desistia.
Novamente me apontaram os livros.Que graça tinha ler seus livros em sua presença? Quando alguém está presente quero é ouvi-lo, sentir seu cheiro, o timbre de sua voz... Mas meus mortos, tão ilustres e tão venerados por mim nada podiam me dar além do que já haviam me oferecido. Não passavam de mortos.
Não os dispensei por isso. Davam-me sempre a ilusão de companhia. Tínhamos a cumplicidade do segredo e até mesmo do silêncio. Não aquele silêncio constrangedor e desagradável, mas aquele que une as pessoas, que gera o entendimento sem necessitar das palavras.
Um dia um deles resolveu falar comigo, mas não disse muitas palavras, talvez por saber que quebrava alguma regra.
- Por que faz tanta questão de nossa presença se não podemos saciar seus desejos? Você já tem nossos livros, nós não conversamos, não lhe damos nada além de palavras antigas. Não passamos de mortos. Por que então?
- Vocês não passam de mortos. Mas são os meus mortos.

2 comentários: